MARIA CLARA FRASSO BRANDING, DIREÇÃO CRIATIVA, CONTEÚDO E ESTRATÉGIA
estéticas do pertencimento
A estética diz respeito àquilo que passa pelo sensível, isto é, que se origina dos sentidos. Gosto de simplificar essa noção como um processo que envolve toda a percepção: aquilo que tocamos e aquilo que nos toca. 

No vocabulário contemporâneo, sobretudo no ambiente digital, o termo passou a ser usado como adjetivo, via anglicismo aesthetic, para descrever algo dotado de beleza, conforto visual e que encapsula ideais desejáveis, especialmente nas redes sociais.

Recentemente, o perfil The Citizen's Poste publicou no Instagram um pequeno artigo perguntando: “alguém ainda tem taste?”, cuja tradução livre seria “bom gosto”. No texto, argumenta-se que o bom gosto é uma construção lenta, que exige exposição, reflexão e contexto. Em contraste com esse processo, observa-se que hoje as tendências ocupam o lugar daquilo que Pierre Bourdieu compreendia como gosto: uma linguagem socialmente codificada, que revela o que valorizamos, e por quê.

O artigo cita um estudo da London College of Fashion, segundo o qual 68% dos jovens da chamada geração Z admitem adotar tendências oriundas das redes sociais sem investigar sua origem ou contexto cultural. E conclui com uma provocação: o bom gosto deixou de ser processo para se tornar performance.

Na mesma semana, o artista Tyler, the Creator lançou o álbum Don’t Tap The Glass e compartilhou, em um post no Instagram, que ao perguntar aos seus amigos por que não dançavam mais em público, ouviu como resposta o medo de serem filmados e virarem meme. O desejo de pertencimento sempre presente, especialmente entre os jovens, hoje parece atravessado por um esvaziamento da experiência; Um medo de ser “antiestético”, no sentido aesthetic, o que aprisiona os sentidos e bloqueia o desenvolvimento de uma percepção autêntica. 

A imagem esvaziada aniquila a experiência. Uma imagem construída com o propósito de simular, forjar ou amplificar uma ideia idealizada de si, ou daquilo que se gostaria de ser, compromete aquilo que é mais essencial no estético: a relação sensível e verdadeira com o mundo. Quando se está no mundo como simulacro, como sombra de si, o estético se torna inviável.
Nesse contexto, o bom gosto, ou o gosto pessoal, deveria emergir de uma relação experimental e afetiva entre sujeito e mundo, mas se torna impessoal: passa a ser resultado da relação entre o sujeito e a expectativa de imagem que deseja projetar.
Para Susan Sontag, o bom gosto é uma sensibilidade: uma forma singular de ver o mundo. Não se reduz à preferência pessoal, é uma forma de inteligência, uma maneira de apreciar e um reflexo dos valores culturais.
Se algumas gerações ainda conheceram a internet como ferramenta separada da realidade, hoje o ambiente online constitui parte essencial do self contemporâneo, sobretudo entre os mais jovens.
A plasticidade do ser online é atrativa, pois enquanto no mundo offline não é possível controlar completamente como somos percebidos, no digital existe a ilusão de domínio quase total da imagem e do discurso. Cria-se o hábito de se observar como se é observado ou de buscar antecipar o olhar do outro, mesmo que esse exercício especulativo seja, por definição, fadado à frustração.
Muitos acreditam experienciar um viver criativo devido à variedade de ferramentas hoje disponíveis. No entanto, na maioria dos casos, trata-se apenas de uma adaptação às exigências da sociedade do desempenho. O que à primeira vista pode parecer expressão criativa é, na verdade, um modo de apaziguar demandas externas sem, de fato, entrar em contato com o próprio self ou desenvolver um estilo autêntico de ser.

Para o psicanalista Donald Winnicott, ser criativo é estar munido da habilidade de criar mundo, o que torna possível viver uma vida que vale a pena ser vivida, mesmo em momentos de dificuldade. Viver criativamente é desfrutar da conquista da espontaneidade, relacionar-se com objetos e com a realidade externa, sem abrir mão de algo profundamente pessoal; daquilo que é único em sua pessoalidade e em seu potencial criativo.

A criatividade, ao contrário do que se tem como lugar- comum, não se limita a práticas artísticas. Trata-se, sobretudo, de uma forma de se experienciar o mundo, que pode ser acessível a todos nós. No texto "Vivendo Criativamente" (1966), Winnicott diferencia essas duas dimensões da criatividade:

“Ainda que aliadas ao viver criativo, as criações artísticas dos escritores de cartas, escritores, poetas, artistas, escultores, arquitetos, músicos, são diferentes. Você concordará que, se alguém está engajado numa criação artística, espera-se que tenha algum talento especial. Porém, para uma existência criativa não precisamos de nenhum talento especial. Trata-se de uma necessidade universal, de uma experiência universal”

Essa existência criativa é uma forma de relacionamento com o mundo que não se baseia apenas em reação ou conformidade, mas em presença e invenção. Assim, se encontra a raiz do estilo pessoal, não como estética performativa, mas como consequência de uma vida em que há espaço para experimentar, falhar, refazer e sentir.

julho, 2025